P – Érikson, um dos grandes teóricos da psicologia, afirma que a formação da personalidade do indivíduo é influenciada pela sociedade e se desenvolve através de “crises”, pois há o crescimento fisiológico e o amadurecimento mental, além da convivência com o ambiente. São momentos da vida em que o indivíduo se sente confuso, questiona sobre quem é o quer ser, busca seu lugar na sociedade, faz escolhas, se identifica e identifica o outro. Em que momentos de sua vida você passou por essas “crises”? Como você reagiu diante das mesmas?

R – Cito pelo menos um destes momentos: quando estava com 16 anos, faleceu de acidente de moto o meu melhor amigo. Foi um momento de crise profunda, no qual eu me questionei sobre o valor da vida, a busca e escolha de algo que realmente “não passa”, ou seja algo que resistisse diante das provações da vida, algo sobre o qual valesse a pena investir e acreditar.
Esta crise levaria-me (dentro de alguns anos) a uma descoberta de Deus como Ideal que não passa.

P – Qual a importância que essas “crises” tiveram para solidificação de sua personalidade?

R – Foi fundamental. Mas quero realçar que, se a crise foi importante e – diria até – quase necessária, por si só ela não teria me levado a um crescimento: foi indispensável a ajuda de pessoas próximas e mais maduras de mim, que me aconselharam e em alguns momentos me direcionaram. Eles me ajudaram a descobrir que estes momentos faziam parte do designo de Deus sobre mim, e que então, o que tinha acontecido era tudo Amor de Deus…

P – No que a resolução dessas “crises” enriqueceu na sua relação com outro e com você mesmo?

R – Tornei-me mais “definido”, ou seja tive mais conhecimento sobre quem sou e quem quero ser. Uma definição mais clara da minha identidade e personalidade resultou em um melhoramento do relacionamento com o outro.

P – Como foi o processo de identificação com sua vocação? O que o levou a escolher esse caminho?

R – Tudo partiu da busca da felicidade. Percebi que eu estava mais feliz quando me colocava a disposição dos outros de forma gratuita. Servir me dava uma alegria que – diferentemente de outras atividades, quais por exemplo o lazer típico de um jovem – durava mais, era mais profunda e “resistente” ao tempo, dentro do meu coração.

Daí, comecei a perceber que atrás – ou “dentro”- do outro está Deus, e que Ele era o “motor” de tudo, de uma forma mais clara e real de quanto não tivesse percebido até então. Deus tornou-se assim uma pessoa viva com a qual comecei a me relacionar interiormente. Esta relação levou-me ao desejo de exclusividade: pertencer somente a Deus.
Foi, porém, um chamado, ao qual eu respondi simplesmente SIM.
Esta relação pessoal continua até hoje…

– Como foi sua adolescência? A mesma influenciou de alguma forma a sua decisão de ser Padre?

R – Sim. Era um adolescente inquieto, desejoso de coisas grandes, de algo de totalitário. O namoro – embora fosse uma experiência extraordinária – me deixava a sensação de que me relacionar com exclusividade com uma pessoa só, acabaria restringindo meus horizontes…

As férias de verão com os jovens da Igreja, nas montanhas da Itália do norte, moldaram meu espírito acostumando-o aos desafios (conquistar uma montanha que pareceria impossível escalar!). Esta experiência colocou-me em contato com Deus presente na natureza.

Foi também uma época marcada pelo sacrifício (estudo e dois trabalhos), devido à condição econômica difícil da minha família. Acostumei-me ao gosto das coisas difíceis conquistadas por meio de sacrifício.

– Em algum momento de sua vida pensou em desistir do sacerdócio?

R – Não sei se foi exatamente isso. Várias vezes pensei que a dificuldade pela qual estava passando fosse maior das minhas forças… Ou que, em razão dos meus erros, talvez seria melhor desistir…
Nestes momentos tentei me imaginar como não sendo Padre. Talvez isso seria a solução?
Cheguei à conclusão que não conseguiria “me achar” em um estado de vida diferente deste.

P – Qual foi a reação de seus familiares e amigos quando tiveram conhecimento de sua escolha vocacional?

R – Minha mãe ficou preocupada de que fosse uma empolgação momentânea. Minha irmã me deu todo o apoio, embora manifestou perplexidades. Meu pai foi decididamente contrário, mas quis me deixar livre de escolher. Depois de entrado no seminário, ele deu total apoio à minha escolha.

A reação dos meus amigos foi a mais variada: alguns elogiaram e apoiaram, outros rejeitaram ou caçoaram, outros simplesmente não entenderam, mesmo respeitando minha opção.

– O que você projeta para o seu futuro, sua velhice?

R – Simplesmente nada. Minha vida está nas mãos de Deus, ao qual me entreguei. Sei que ele cuidará de mim, como cuidou até agora. Só espero e peço ser fiel a Ele até o último respiro. E espero encontrá-lo “face a face” um dia no Céu.

(A entrevista ao Pe. Natal foi feita por Silvana Cardoso Andrade, em 17/11/08)